Há anos está em pauta a discussão acerca dos requisitos, que as entidades sem fins lucrativos devem cumprir, para poder usufruir do benefício das isenções tributárias.

Um assunto polêmico e que, com certeza, muitos já deixaram de lado, dada à complexidade dos trâmites e das normas legais que a fundamentam.

Em decisão ocorrida em 2017, o Supremo já havia decidido que o tema –  imunidade tributária, só poderia ser disposto por Lei Complementar, como é o caso do Código Tributário Nacional.

Lei Complementar refere-se à “tradução” de um dispositivo previsto pela Constituição Federal, e por isso, para ser aprovada, exige quórum máximo na Câmara e no Senado.

Atualmente, a Lei que dispõe sobre o CEBAS que trata da isenções tributárias está estabelecida como Lei ordinária e, segundo decisão do Supremo, deveria  constar de Lei Complementar.

Um tanto complexo para o entendimento da maioria leiga na linguagem jurídica, o que importa para as entidades sem fins lucrativos, de fato, é qual a mudança causada com a nova decisão do Supremo Tribunal Federal.

No início de 2020, o Supremo Tribunal Federal – STF julgou a ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.480 que versa sobre a Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e decidiu pela procedência parcial do pedido de inconstitucionalidade.

O Governo embargou de declaração[1] a referida decisão alegando que causaria um grande impacto orçamentário, e para tanto, requereu a modulação da decisão do STF, ou seja, que a decisão de inconstitucionalidade só passasse a vigir quando uma Lei Complementar fosse promulgada.

Em julgamento iniciado em 18 de dezembro de 2020 e finalizado em 05 de fevereiro de 2021, o  Supremo Tribunal Federal – STF decidiu pela não modulação (requerida pelo Governo) da ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.480 (exclusivamente das áreas da Educação e Assistência Social) que versa sobre a Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social.

O que significa decidir pela não modulação? Fundamentado principalmente no argumento do Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello de que deveriam ser afastadas, de imediato, as exigências contidas na Lei nº 12.101/2009 relativas às contrapartidas da entidades para obtenção do CEBAS.

Veja, o que o STF julgou inconstitucional foi a FORMA exigida das entidades para oferta da sua contrapartida, aquilo que chamamos de “gratuidade”. As ações que de fato as entidades executam, de interesse público, que lhes dariam o direito ao benefício das isenções.

O que são as contrapartidas: são os “esforços” que as entidades devem comprovar aos Ministérios, para que façam jus ao benefício da isenção.

Para as entidades de Educação, a contrapartida a ser comprovada refere-se a concessão de bolsas de estudo conforme proporção estabelecida e para alunos que se enquadrem no perfil socioeconômico também estabelecido pela Lei.

Para as entidades de Assistência Social, a contrapartida a ser comprovada refere-se à gratuidade integral dos serviços prestados.

Com certeza, a grande maioria das entidades pode estar avaliando que parece não ter havido grandes mudanças afinal, com a decisão do Supremo, uma vez que na educação infantil, já há concessão de bolsas (atendimento integralmente gratuito) a alunos que já se enquadram no perfil socioeconônimo estabelecido (renda percapita de até 1,5 Salário Mínímos). Para as entidades da área da assistência social, o atendimento gratuito também já é realizado.

De fato, para a grande maioria das entidades, a decisão do Supremo ocorrida em 05 de fevereiro p.p pode impactar na prática das Instituições de Longa Permanência para Idosos, que eventualmente queiram disponibilizar vagas particulares para público pagante e/ou ainda, para as entidades de educação infantil, que passam a ter a possibilidade de atender público que tenha renda percapita superior a 1,5 Salário Mínimos.

Destaco novamente, a inconstitucionalidade decidida pelo STF NÃO refere-se à Lei nº 12.101/2009 e sim apenas à FORMA como são exigidas as contrapartidas por parte das entidades previstas pela Lei. Decidiu-se então pela inconstitucionalidade dos arts. 13 (Seção II – da Educação) e 18 (Seção III – da Assistência Social) que seguem transcritos.

 

Art. 13.  Para fins de concessão ou renovação da certificação, a entidade de educação que atua nas diferentes etapas e modalidades da educação básica, regular e presencial, deverá: 

I – demonstrar sua adequação às diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE), na forma do art. 214 da Constituição Federal;

II – atender a padrões mínimos de qualidade, aferidos pelos processos de avaliação conduzidos pelo Ministério da Educação; e 

III – conceder anualmente bolsas de estudo na proporção de 1 (uma) bolsa de estudo integral para cada 5 (cinco) alunos pagantes.       

  • 1oPara o cumprimento da proporção descrita no inciso III do caput, a entidade poderá oferecer bolsas de estudo parciais, observadas as seguintes condições:        

I – no mínimo, 1 (uma) bolsa de estudo integral para cada 9 (nove) alunos pagantes; e     

II – bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento), quando necessário para o alcance do número mínimo exigido, conforme definido em regulamento

III – (revogado);        

  1. a) (revogada);
  2. b) (revogada).    
  • 2oSerá facultado à entidade substituir até 25% (vinte e cinco por cento) da quantidade das bolsas de estudo definidas no inciso III do caput e no § 1opor benefícios concedidos a beneficiários cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de um salário mínimo e meio, tais como transporte, uniforme, material didático, moradia, alimentação e outros benefícios, ações e serviços definidos em ato do Ministro de Estado da Educação.         
  • 3oAdmite-se o cumprimento do percentual disposto no § 2ocom projetos e atividades para a garantia da educação em tempo integral para alunos matriculados na educação básica em escolas públicas, desde que em articulação com as respectivas instituições públicas de ensino, na forma definida pelo Ministério da Educação.
  • 4oPara fins do cumprimento da proporção de que trata o inciso III do caput.

I – cada bolsa de estudo integral concedida a aluno com deficiência, assim declarado ao Censo da Educação Básica, equivalerá a 1,2 (um inteiro e dois décimos) do valor da bolsa de estudo integral; e           

II – cada bolsa de estudo integral concedida a aluno matriculado na educação básica em tempo integral equivalerá a 1,4 (um inteiro e quatro décimos) do valor da bolsa de estudo integral;      

III – (revogado).        

  • 5oAs equivalências previstas nos incisos I e II do § 4onão poderão ser cumulativas.    
  • 6oConsidera-se, para fins do disposto nos §§ 3oe 4o, educação básica em tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a 7 (sete) horas diárias, durante todo o período letivo, e compreende tanto o tempo em que o aluno permanece na escola como aquele em que exerce atividades escolares em outros espaços educacionais, conforme definido pelo Ministério da Educação.    
  • 7oAs entidades de educação que prestam serviços integralmente gratuitos deverão garantir a observância da proporção de, no mínimo, 1 (um) aluno cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de um salário-mínimo e meio para cada 5 (cinco) alunos matriculados.          

Art. 13-A.  Para fins de concessão e de renovação da certificação, as entidades que atuam na educação superior e que aderiram ao Programa Universidade  para  Todos  (Prouni),  na forma do caput do art. 11 da Lei no 11.096, de 13 de janeiro de 2005, deverão atender às condições previstas nos incisos do caput e nos §§ 1o, 2o e 7o do art. 13 desta Lei.

  • 1oAs entidades que atuam concomitantemente no nível de educação superior e que tenham aderido ao Prouni e no de educação básica estão obrigadas a cumprir os requisitos exigidos no art. 13, para cada nível de educação, inclusive quanto à complementação eventual da gratuidade por meio da concessão de bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) e de benefícios, conforme previsto nos §§ 1oe 2o do art. 13
  • 2oSomente serão aceitas no âmbito da educação superior bolsas de estudo vinculadas ao Prouni, salvo as bolsas integrais ou parciais de 50% (cinquenta por cento) para pós-graduação stricto sensu.     
  • 3oExcepcionalmente, serão aceitas como gratuidade, no âmbito da educação superior, as bolsas de estudo integrais ou parciais de 50% (cinquenta por cento) oferecidas fora do Prouni aos alunos enquadrados nos arts. 14 e 15, desde que a entidade tenha cumprido a proporção de uma bolsa de estudo integral para cada 9 (nove) alunos pagantes no Prouni e que tenha ofertado bolsas no âmbito do Prouni que não tenham sido preenchidas.
  • 4oPara os fins do disposto neste artigo, somente serão computadas as bolsas concedidas em cursos de graduação ou sequencial de formação específica regulares, além das bolsas para pós-graduaçãostricto sensu previstas no § 2o.  

Art. 13-B.  Para os fins da concessão da certificação, as entidades que atuam na educação superior e que não tenham aderido ao Prouni na forma do art. 10 da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, deverão: 

I – atender ao disposto nos incisos I e II do caput do art. 13; e  II – conceder anualmente bolsas de estudo na proporção de 1 (uma) bolsa de estudo integral para cada 4 (quatro) alunos pagantes§ 1o  Para o cumprimento da proporção descrita no inciso II do caput, a entidade poderá oferecer bolsas de estudo parciais, desde que concedaI – no mínimo, 1 (uma) bolsa de estudo integral para cada 9 (nove) alunos pagantes; e        

II – bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento), quando necessário para o alcance do número mínimo exigido, conforme definido em regulamento§ 2o Será facultado à entidade substituir até 25% (vinte e cinco por cento) da quantidade das bolsas de estudo definidas no inciso II do caput e no § 1o por benefícios concedidos a beneficiários cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de um salário mínimo e meio, tais como transporte, uniforme, material didático, moradia, alimentação e outros benefícios, ações e serviços definidos em ato do Ministro de Estado da Educação.    

  • 3oSem prejuízo da proporção definida no inciso II do caput, a entidade de educação deverá ofertar, em cada uma de suas instituições de ensino superior, no mínimo, 1 (uma) bolsa integral para cada 25 (vinte e cinco) alunos pagantes. 
  • 4oA entidade deverá ofertar bolsa integral em todos os cursos de todas as instituições de ensino superior por ela mantidos.  
  • 5oAs entidades que atuam concomitantemente na educação superior e na educação básica são obrigadas a cumprir os requisitos exigidos no art. 13 e neste artigo de maneira segregada, por nível de educação, inclusive quanto à eventual complementação da gratuidade por meio da concessão de bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) e de benefícios.       
  • 6oPara os fins do disposto neste artigo, somente serão computadas as bolsas concedidas em cursos de graduação ou sequencial de formação específica regulares.         

Art. 13-C.  Consideram-se alunos pagantes, para fins de aplicação das proporções previstas nos arts. 13, 13-A e 13-B, o total de alunos que não possuem bolsas de estudo integrais.       

  • 1oNa aplicação das proporções previstas nos arts. 13-A e 13-B, serão considerados os alunos pagantes matriculados em cursos de graduação ou sequencial de formação específica regulares.        
  • 2oNão se consideram alunos pagantes os inadimplentes por período superior a 90 (noventa) dias, cujas matrículas tenham sido recusadas no período letivo imediatamente subsequente ao inadimplemento, conforme definido em regulamento.

 

 

Art. 18.  A certificação ou sua renovação será concedida à entidade de assistência social que presta serviços ou realiza ações socioassistenciais, de forma gratuita, continuada e planejada, para os usuários e para quem deles necessitar, sem discriminação, observada a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.              

  • 1oConsideram-se entidades de assistência social aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e as que atuam na defesa e garantia de seus direitos.          
  • 2oObservado o disposto no capute no § 1o, também são consideradas entidades de assistência social:       

I – as que prestam serviços ou ações socioassistenciais, sem qualquer exigência de contraprestação dos usuários, com o objetivo de habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência e de promoção da sua inclusão à vida comunitária, no enfrentamento dos limites existentes para as pessoas com deficiência, de forma articulada ou não com ações educacionais ou de saúde;            

II – as de que trata o inciso II do art. 430 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, desde que os programas de aprendizagem de adolescentes, de jovens ou de pessoas com deficiência sejam prestados com a finalidade de promover a integração ao mercado de trabalho, nos termos da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, observadas as ações protetivas previstas na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990; e

III – as que realizam serviço de acolhimento institucional provisório de pessoas e de seus acompanhantes, que estejam em trânsito e sem condições de autossustento, durante o tratamento de doenças graves fora da localidade de residência, observada a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

  • 3oDesde que observado o disposto no capute no § 1o deste artigo e no art. 19, exceto a exigência de gratuidade, as entidades referidas no art. 35 da Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003, poderão ser certificadas, com a condição de que eventual cobrança de participação do idoso no custeio da entidade se dê nos termos e limites do § 2o do art. 35 da Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003.           
  • 4oAs entidades certificadas como de assistência social terão prioridade na celebração de convênios, contratos ou instrumentos congêneres com o poder público para a execução de programas, projetos e ações de assistência social.          

 

Reforçando: a Lei nº 12.101/2009 continua vigindo e ditando as regras para a concessão e renovação dos requerimentos do CEBAS nas áreas da Assistência Social, Educação e Saúde.

Nossa orientação, portanto, é de que as entidades mantenham o cumprimento dos requisitos legais, especialmente aqueles previstos pelo art. 14 do Código Tributário Nacional e demais critérios estabelecidos pela Lei nº 12.101/2009, protocolando o requerimento de renovação tempestivamente, conforme portaria de deferimento anterior.

Vale salientar que foi suspensa temporiamente o julgamento da ADIn nº 4.891 (que refere-se ao CEBAS das entidades da área de Saúde). Portanto, por ora TODOS os requisitos previstos pela Lei e Portaria da área da saúde estão vigentes e devem ser observadas rigorosamente.

O Governo Federal tem agora a incumbência de propor uma nova Lei que disponha sobre a isenções tributárias das entidades sem fins lucrativos, desta vez, uma Lei Complementar que observe os dispositivos da Constituição Federal. Até que a referida Lei Complementar seja promulgada, nossa orientação é que as entidades mantenham todos os procedimentos inalterados.

Nosso especial agradecimento à AUDISA, Auditoria e Consultoria que tem acompanhado os processos junto ao Supremo e mantido-nos informadas acerca do assunto.

Valinhos, 12 de fevereiro de 2021.

 

 

Silvia Elena Basetto Villas Boas

Diretora da Firmamentum – Soluções em Gestão Pública e Social

[1] Os Embargos de Declaração, também chamados de Embargos Declaratórios, são uma espécie de recurso com a finalidade específica de esclarecer contradição ou omissão ocorrida em decisão proferida por juiz ou por órgão colegiado (www.tjdft.jus.br)